Por organizações capazes de produzir impacto social positivo

Rogério Renato Silva[1]

As organizações contemporâneas estão preocupadas com os efeitos e consequências de suas ações na sociedade. É cada vez maior o desejo de ampliar, compreender e demonstrar transformações reais na vida das pessoas e a vontade de que estas conquistas sejam duradouras e estruturantes a ponto de romper ciclos de exclusão e pobreza. O engajamento genuíno com a ideia de uma sociedade melhor é um importante diferencial num universo social repleto de discursos e práticas.

É também crescente a busca por processos mais ágeis e estruturalmente mais leves e viáveis. Deseja-se organizações capazes de fomentar inovação técnica, que assegurem um ambiente interno que atraia e desenvolva talentos, que aprendam com o curso de suas ações e que sejam economicamente saudáveis. A inteligência com a qual uma organização cultiva tais aspectos em sua cultura é determinante para que ela seja socialmente relevante e institucionalmente sustentável.

Muitas das teorias e práticas de desenvolvimento organizacional dizem respeito a esta tríplice aliança:deseja-se ampliar o impacto social positivo das ações, atuando com a maior relevância social e da forma mais inteligente possível. Neste balanço, torna-se evidente que uma organização “apenas engajada” tende a colocar em risco sua sustentabilidade de longo prazo e perder consistência técnica. Já as organizações “apenas inteligentes” tendem a perder capital político e relevância social, o que também condena seu futuro e sentido público.

Como balancear engajamento e inteligência? Dois caminhos se manifestam de forma arquetípica nas respostas possíveis a esta pergunta. Na via prospectiva, encontram-se a formulação da estratégia e o desenho de estruturas e dinâmicas organizacionais inteligentes;em outras palavras, o caminho do planejamento. Na via retrospectiva, encontra-se a avaliação, o monitoramento e a aprendizagem organizacional, dispositivos comprometidos em compreender e medir os efeitos e as consequências das decisões, para que se possa aprender, corrigir e mudar,para fazer mais e melhor.

A relação entre impacto social positivo e planejamento está relacionada aos processos decisórios que marcam o ato de planejar. Ao longo de pouco mais de um século de teorias de gestão, de Taylor[2] a Scharmer[3], convergiu-se que aqueles que planejam devem obrigatoriamente fazer escolhas diante de algumas perguntas essenciais: a quais necessidades sua organização efetivamente deve atender? Que mudanças sua organização quer alcançar? Quais caminhos e públicos-alvo são mais promissores? O que é preciso fazer para viabilizar, inclusive financeiramente,o que é necessário? Quais serão os parceiros, colaboradores ou apoiadores da ação? Quais os limites do plano e como assegurar sua implementação?Quais são os riscos e armadilhas a serem evitados ou mitigados? 

Um bom plano estratégico deve ser capaz de fomentar e relacionar engajamento e inteligência, de forma indissociável e interdependente. Do trabalho com stakeholder sem busca de valores compartilhados até o desenho das equipes para assegurar as ações e suas entregas, as organizações devem se manter duplamente atentas, respondendo duas perguntas-chave: a organização será mesmo capaz de fazer diferença positiva na sociedade se for nesta direção? A organização irá utilizar recursos da forma mais correta, potente e sustentável se for nesta direção?Um bom plano é um primeiro passo para assegurar impacto social positivo.

Já a relação entre impacto social positivo e avaliação se manifesta de outra maneira. Das escolas avaliativas conservadoras de Tyler[4] e Flexner[5] aos modelos democráticos e complexos de Guba & Lincoln[6] e Patton[7], deseja-se que as organizações sejam capazes de “fazer melhor”, o que pede respostas para outras perguntas elementares: a organização está efetivamente entregando o que prometeu? O caminho estratégico adotado é aderente à realidade sócio-institucional em que está inserido? Os resultados esperados estão sendo ou tendem a ser alcançados? A forma de implementação tem sido cuidadosa, eficiente e sustentável? A organização tem aprendido com suas práticas e se adaptado à realidade?

Na perspectiva da gestão adaptativa, as práticas de monitoramento e avaliação são o reconhecimento de que todo plano descreve uma situação desejada, quando não ideal, que merecerá revisão e ajustes permanentes, mais ou menos profundos, à medida que interagir com a realidade. Frente às variáveis capazes de interferir no alcance de um objetivo, internas ou externas à organização, previstas ou imprevistas, moderadas ou radicais, torna-se crucial compreender a implementação para ajustar o seu curso, bem como analisar a relevância e o mérito das ações na realidade para dela formar o juízo mais criterioso possível. Boas práticas de monitoramento e avaliação são um segundo e decisivo passo para assegurar impacto social positivo.

Para assegurar que tenhamos organizações e iniciativas capazes de transformar a sociedade, será crucial construir práticas engajadas com a sociedade: atentas aos mecanismos de exclusão, sensíveis às demandas dos diversos grupos populacionais vulneráveis, fortalecedoras dos processos democráticos e capazes de assegurar direitos. Mas só será possível obter sucesso das organizações engajadas se as mesmas se ancorarem em iniciativas inteligentes: inovadoras em suas estratégias, eficazes em suas táticas, ágeis em sua estrutura decisória, claras e transparentes em suas mensagens e saudáveis em suas finanças. Desatenção, lacunas e desequilíbrio neste delicado balanço são vias rápidas para o fracasso.

[1]Sócio-fundador e diretor de pesquisa da Move Social até agosto/2017.

[2] Frederick Taylor, 1856-1915, é o engenheiro americano reconhecido como pai da administração científica.

[3] Otto Scharmer, 1961, é professor sênior no MIT/USA e autor do conceito Teoria U, paradigma contemporâneo para a gestão de iniciativas e inovações.

[4] Ralph Tyler, 1902-1994, foi um educador americano precursor de conceitos e práticas de avaliação educacional que se tornaram paradigmáticas.

[5] Abraham Flexner, 1866-1959, foi um educador americano responsável por avaliações que determinaram uma série de reformas conversadoras nas escolas médicas americanas.

[6] Egon Guba (ele) e Ivona Lincoln (ela) são uma dupla de pesquisadores americanos que formularam o conceito de Avaliação de Quarta Geração, modelo teórico construtivista no enquadre das avaliações democráticas e participativas.

[7] Michel Quinn Patton é um dos principais teóricos Americanos em avaliação de programas e políticas sociais. Entre suas formulações estão os modelos Avaliação focada no uso (utilization-focused evaluation) e Avaliação e Complexidade.