A expansão das fronteiras: Um olhar sobre o VIII Seminário Nacional da Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação

Daniel Brandão
Diretor Executivo da MOVE
Membro da Diretoria Colegiada da RBMA (2016-2018)

 

O VIII Seminário da Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação, realizado nos dias 5 e 6 de outubro, trouxe uma leitura contemporânea e provocadora sobre este campo no Brasil. Notável o número e a diversidade de experiências apresentadas na sessão “Diálogos”, a primeira dos dois dias do evento, que exigia precisão dos participantes para darem seu recado em, no máximo, 5 minutos. O que o público ali assistiu foi um campo de avaliação pulsante, com soluções criativas e plurais, espalhadas por diversos estados do Brasil. Mais importante do que atestar a precisão ou o rigor metodológico de cada proposta, foi reconhecer o entusiasmo, a diversidade e criatividade de iniciativas que estão em marcha. Experiências de meta-avaliação, inclusive, já foram mencionadas pelo público, dando sinais de que estamos pilotando avaliações de avaliações, aspecto relevante para qualificar os trabalhos realizados.

A metodologia dinâmica da sessão “Diálogos” está entre as inaugurações que esta edição do Seminário trouxe. Foi o primeiro a ter parte da programação gratuita, facilitando o acesso de todos que por ele se interessavam. Além disso, ofereceu bolsas para 5 jovens avaliadores de outros estados (fora de São Paulo).

A mesa de abertura, que, em geral, trata de temas relevantes para o campo de modo concentrado (na voz de poucos), apresentou esse mesmo conteúdo pela opinião de 12 lideranças, de organizações diversas, que deixaram suas mensagens registradas em vídeo. A atenção para os ODS, práticas de disseminação de saber, ações de transparência, estudos de efetividade de gastos públicos, experiências de monitoramento de governos, Big-Data, métodos mistos e outros temas, foram conteúdos mencionados neste registro.

Centralmente, o Seminário quis romper com o debate strictu-senso entre avaliadores e buscou a incidência de outros campos. Recebemos a contribuição da psicanálise e sua leitura sobre a pós-verdade, conceito-chave de nosso tempo, a reconhecer como a véritas é maleável e que o que retratamos como real é um aspecto deste real. O campo da ciência política, por sua vez, observou a função da avaliação no controle social e demonstrou o tempo necessário para maturação de instâncias desta natureza, com atenção para a assistência no Brasil.

No campo da capacidade de análises, constatamos que a inteligência artificial esta já operando, é presente e não futuro e sua potência para apoiar avaliações é, literalmente, infinita. Uma leitura da neurociência contrastou a inteligência artificial e nosso cérebro, órgão que nos guia na tomada de decisões, aspecto sempre reivindicado como função avaliativa. Ouvimos que nem sempre nossas decisões são tão racionais, mesmo que com dados e evidências na mesa, ou, em outras palavras, que pensamos de duas formas, uma rápida e outra devagar, numa aproximação do que propôs o prêmio Nobel Daniel Kahneman. Analisar e dispor dados para a tomada de decisões exige contar sobre seu comportamento e resultados e por isso estudamos o storytelling, que é uma ferramenta de comunicação que nos ajuda a construir histórias com os resultados de uma avaliação e a torna mais compreensível e acessível por públicos diversos. E ao final, a avaliação é reconhecida como um mecanismo de aprendizagem para organizações, mas como estas realmente aprendem? Ali escutamos que devemos ter atenção não somente ao conteúdo do trabalho e por isso relatórios em si não são capazes de disparar desenvolvimento organizacional. O processo que o envolve deve ser pensado desde o começo como aberto e flexível para lidar com o que vem pelo caminho e as relações que se estabelecem no grupo – aspectos essenciais para construir organizações que aprendem.

Sobre as mesas, seis no total, tive visão parcial por ser impossível estar em dois espaços ao mesmo tempo. O debate sobre gênero reforçou o papel de avaliadores assumirem esta questão a priori em suas avaliações, procurando conhecer o lugar que ela ocupa no projeto, mesmo quando não é o objeto da política ou programa; e a posteriori, como categoria analítica. A reflexão sobre negócios de impacto social mostrou o limite estrutural enfrentado pela ausência de recursos financeiros disponíveis para avaliar estes negócios, bem como trouxe experiências que lançam mão de abordagens qualitativas para conhecer a percepção do impacto, quebrando o imperativo do discurso a vigorar entre estes negócios de que os processos experimentais ou quase-experimentais eram os únicos e ter validade. Sem dúvida um salto expressivo neste debate. A mesa sobre educação mesclou o estudo de sistemas de monitoramento, ancorados em teorias de mudança e rubricas de indicadores, com uma análise crítica do IDEB e sua limitação para expressar a “qualidade da educação” pública na Brasil. A interrupção do SINAEB, realizada via portaria, cria espaço para um debate, importante no momento, sobre formas de resistir aos retrocessos na educação.

O VIII Seminário deixou no ar a inquietação pela inovação na avaliação, o respeito à pluralidade do campo e o reconhecimento de que as diferenças constroem diálogos saudáveis e potentes; bem como a necessidade do constante fortalecimento, como avaliadores, da dimensão política de nossa prática profissional, seja ao jogar luzes para grupos excluídos, ao questionar indicadores restritivos da leitura da realidade ou, fundamentalmente, manter o debate sempre aceso em busca de expandir a compreensão da realidade que é inexoravelmente plural.