Planejamento estratégico

Rogério Silva[1]

A relação entre o que é necessário e o que é possível está entre os dilemas mais desafiadores para uma iniciativa social, em especial para suas gestoras e gestores. É bem possível que nessas circunstâncias você já tenha feito indagações como estas: quais são as reais necessidades? Quem tem prioridade no atendimento? Quais as formas mais corretas de agir? O que promete resultados melhores? O que mobiliza efetivamente as partes envolvidas? O que é possível fazer com o dinheiro disponível?

O planejamento estratégico é uma das principais formas de encontrar respostas a tais perguntas, tenham elas caráter existencial ou operacional. É por esta razão que no mundo acadêmico e no mundo da gestão muitos afirmam que planejar é escolher onde se deseja e se pode chegar, elegendo os caminhos mais promissores e viáveis de realizar a jornada. Planejar pede, portanto, tratar do futuro no presente, investindo em processos capazes de gerar inteligência, inspiração, estilo e compromisso.

Diversas escolas e técnicas prometem realizar bons planejamentos estratégicos e de fato elas são cheias de potencial. O leque de possibilidades apresenta variável capacidade de responder às culturas organizacionais e setoriais específicas, e de dialogar com diferentes momentos da vida das organizações, condições para seu sucesso. A escolha das formas de planejar deve, portanto, respeitar a etapa da biografia organizacional, sua dinâmica de governança, estilo de liderança, modelo de gestão, setor de atuação, inserção social e público-alvo. Nenhuma técnica particular deve ser tomada como solução para todos os males, sendo necessário leitura e cautela para eleger o melhor caminho.

Independente das escolas e técnicas adotadas, todos os processos de planejamento irão se relacionar com distintos componentes organizacionais. A figura 1 traz quatro componentes que costumam influenciar ou moldar os planos. Eles manifestam-se em diferentes graus de intensidade e apresentam diferentes desafios em cada caso particular. Quando compreendemos que todo plano emerge da cultura organizacional, torna-se mais fácil compreender os vínculos entre estes componentes e o plano que será o seu produto.

 

Figura 1. Componentes estruturantes de um plano.

Em cada componente encontram-se vetores internos e externos às organizações, o que demonstra que todo processo de planejamento lida com o que está fora e o que está dentro da organização, com suas diferentes intensidades. Se no começo do Século XX aprendemos com Taylor e Fayol[2] a dar forma clara e hierárquica às organizações e a cuidar ativamente de cada detalhe dos processos de produção, Bertalanfly[3] nos convidou a ver as organizações como sistemas abertos, adaptativos e interdependentes do contexto em que atuam.

É neste sentido que História e Cultura, Ética e Política, Tecnologias e Recursos podem ser tomados como campos que articulam o que está fora e o que está dentro de uma organização, permitindo a coexistência de vetores de influência fora-dentro e dentro-fora e pedindo que o grupo que planeja reconheça o terreno sob o qual crava os alicerces de sua obra institucional. Conhecer limites e desejos, possibilidades e tendências, normas e lacunas, tecnologias e inovações, riscos e oportunidades é tarefa crucial a um bom plano. Quanto mais criterioso o olhar e mais rica a conversa organizacional sobre a realidade, mais efetivo tende a ser um plano estratégico.

Se o ato de planejar implica olhar e análise como bases de uma etapa que chamamos Formulação, um plano efetivo pede também uma estrutura coerente entre seus conteúdos e uma peça capaz de inspirar as pessoas e orientá-las para a ação, num balanço entre criação e execução. Conforme nos traz Matus, “o planejamento e a ação são inseparáveis. O plano é o cálculo que precede e preside a ação. Se não a preceder, o plano é inútil porque chega tarde. E se chega a tempo mas não a preside, o plano é supérfluo. Por sua vez, a ação sem cálculo que a preceda e a presida, é mera improvisação”.[4]

Esta afirmação confere duas finalidades aos processos de planejamento. Em uma linha, espera-se que processo de planejar seja inspirador e agregador a ponto de gerar energia e compromisso com o destino traçado. Em paralelo espera-se que o plano seja estratégico, capaz de assegurar que a ação organizacional tenha relevância social, consistência técnica e sustentabilidade política para as partes envolvidas.

Todo plano deve se assentar em duas premissas fundamentais: (1) o fato de que todos os atores governam a realidade, o que faz do cotidiano um palco de interações, disputas e convergências num movimento de influências; (2)  o plano é uma aposta e gera elevado grau de incerteza, o que requer postura atenta, ativa e liberdade de movimento para dirigi-lo. Matus irá ilustrar esta dinâmica em um triângulo, associando Projeto, Capacidades de Governo e Governabilidade como variáveis-chave para sustentar planos vivos e efetivos[5].

 

Figura 2. O Triângulo de Governo.

Como instrumento que dá orienta a ação, um plano deve organizar uma série de conteúdos de forma coerente e consistente, evitando que lacunas, falhas ou contradições estejam presentes em seu desenho. A figura 3 explícita o que chamamos topografia do plano, ou seja, os conteúdos que dão concretude à reflexão e às decisões. A topografia do plano terá elementos na fase de Formulação, englobando etapas de análise, formação de imagens e eleição de resultados, e de Implementação, englobando ajustes na estrutura organizacional e o desenho da dinâmica que servirá para monitorar as ações e para assegurar aprendizagem e adaptação.

 

 Figura 3. Componentes de plano.

 

Por uma cultura de resultados e aprendizagem

Ao longo das últimas décadas, assistimos a intensos debates entre duas vertentes de planejamento. O Lado A trazia o apelo aos resultados como única forma de produzir unidade organizacional e avançar no alcance das complexas agendas sociais. O Lado B requeria menor controle e máxima aprendizagem a fim de tornar as organizações mais sensíveis à realidade e a seus próprios padrões de funcionamento, apostando que a consciência organizacional seria mola propulsora de ações mais efetivas.

O tempo e o diálogo permitiram que a associação entre cultura de resultados e cultura de aprendizagem ganhasse espaço em muitas organizações, o que abriu espaço para que o conceito de gestão adaptativa surgisse. Nesta perspectiva, os planos estratégicos passaram a ser vistos como pontos de partida ajustáveis em função de sua interação com a realidade. Os conceitos de monitoramento, feedback, inovação, teorias de mudança, design, gestão por evidências e sociocracia elevaram-se à crista da onda de um movimento que, em boa medida, revigorava o planejamento estratégico situacional de Matus, definido como situacional por responder à permanente variação das condições sociopolíticas e institucionais, às situações.

Para a gestão adaptativa, se o plano estratégico deve culminar em resultados de longo, médio e curto-prazos, como bem ilustram as teorias de mudança, e se tais resultados devem ser traduzidos em indicadores mensuráveis, confiáveis e disponíveis, não resta dúvidas de que a transformação destas informações em saber e decisão só pode se dar em gestões que cultivam o olhar para a prática em busca de compreender erros e acertos, limites e talentos, usando-os para acelerar sua produção e ampliar sua relevância.

 

Bons planos estratégicos:

  1. Contêm um processo e um produto interdependentes. Sem um processo que assegure leitura crítica, decisões técnicas, sentido estratégico e engajamento, o produto tende a perder qualidade e relevância, tornando-se um plano incapaz de presidir a ação ou de levar a organização numa direção não desejada.
  2. Requerem clareza dos resultados que se deseja alcançar. Para orientar a mudança e produzir um bom nível de convergência e unidade institucional, é crucial construir resultados de qualidade: relevantes para a sociedade, tangíveis para os stakeholders, claros para a gestão e inspiradores para as equipes.
  3. Pedem liderança para sua implementação. Para que o plano ganhe força na organização é crucial que ele receba força executiva de diferentes níveis e diferentes sujeitos.
  4. Constituem-se em diálogo com a governança organizacional. Para que um plano associe qualidade técnica a força de implementação, ele deve ser o produto de decisões que respeitem a governança institucional.
  5. Portam mudanças de estratégia e precisam de ajustes de governança. Toda mudança na orientação externa de uma organização reflete na forma como ela funciona, seja na forma como opera ou no de suas tecnologias sociais, o que tende a influenciar também a forma como ela é governada.
  6. Precedem dinâmicas de monitoramento, condição essencial de gestões inteligentes e adaptativas. Observar e analisar o desenvolvimento de um plano com atenção ao alcance ou não de resultados é etapa-chave para que uma organização aprenda e adapte sua direção.
  7. Cultivam em si o enigma de Lampedusa, que apregoa que “tudo deve mudar para que tudo fique como está”. Qualquer mudança implica vários níveis de resistência, e é preciso ter profunda atenção para que os processos de planejamento não sejam nada além de conversas, decisões não tomadas e documentos esquecidos

 

Referências

Matus C. Política, planejamento & governo. Brasília: IPEA; 1993

Matus C. Triângulo de Governo. Fundación Altadir; 2006.

[1] Sócio-fundador e diretor de pesquisa da Move Social até agosto/2017

[2] Taylor é reconhecido como o criador da Administração Científica, enquanto Fayol o criador da Teoria Clássica da Administração.

[3] Bertalanfly é um dos expoentes das teorias sistêmicas e dos modelos de complexidade.

[4] Matus C. Política, planejamento & governo. Brasília: IPEA; 1993

[5] Matus C. Triângulo de Governo. Fundación Altadir; 2006.