Práticas globais em gestão e mensuração de impacto

Dados sobre as práticas de gestão e mensuração de impacto

Artigo originalmente publicado na Aupa

Por Daniel Brandão

O relatório “The State of Impact Measurement and Management Practice” publicado em janeiro deste ano (GIIN, 2020) apresenta um extenso conjunto de dados sobre as práticas de gestão e mensuração de impacto, que em inglês recebe a sigla IMM (Impact Measurement and Management). O estudo foi realizado com 278 investidores de impacto, em uma amostra que inclui gestores com fins de lucro (49%), gestores sem fins de lucro (18%), fundações (9%) e outras configurações organizacionais como family offices (4%), e dentro de um grupo fortemente concentrado na América do Norte (47%), com apenas 3% dos respondentes na América Latina. Além disso, a pesquisa contribui para a compreensão e o avanço desta necessária agenda. Aqui, apresento um resumo dos dados que me parecem mais relevantes no intuito de estimular o bom debate.

Entre os respondentes, vale ressaltar, a maior parte busca obter resultados financeiros alinhados com taxas de mercado (66%), sendo que o terço restante tem foco em taxas abaixo do mercado. O que é interessante é o fato de as fundações concentrarem-se neste segundo grupo, com dois terços destes respondentes buscando resultados abaixo da taxa de mercado.

A Gestão e Mensuração de Impacto (GMI) é definida por um conjunto de atividades que engloba o planejamento(construir ou atualizar a teoria de mudança e estratégia); a coleta de dados (coletar e validar dados dos investes); a análise de dados (analisar e interpretar os dados dos investees); gestão do impacto(o uso dos dados e insigths para melhorar o trabalho); e a comunicação* (reportar o impacto internamente e/ou aos stakeholders). A análise de peso orçamentário de cada uma destas atividades, realizada no estudo, indica que o esforço depositado em coleta de dados e a comunicação são os mais expressivos, com um quarto do valor orçado em GMI destinado a cada uma.

De maneira geral, o estudo indica avanços importantes em práticas de GMI em relação à sua primeira edição publicada em 2017. Destacam-se o reconhecimento de maior disponibilidade de profissionais com competências relevantes em GMI e a sofisticação de ferramentas e frameworks. Entretanto, alguns desafios ganharam mais relevância, como a necessidade de se alcançar maior transparência na performance de impacto, o que inclui ter claro os focos e os resultados, bem como a permanente fragmentação em abordagens de GMI e a importância da integração da gestão de impacto com a financeira no processo decisório. A possibilidade de comparação da performance do impacto com resultados de mercado permanece como uma severa preocupação dos investidores. Nesta direção, entre os recursos necessários para o desenvolvimento de práticas de GMI, o benchmarks de impacto foi o mais citado, seguido pela necessidade de mais ferramentas para este fim, pelos dados de impacto agrupados e por conhecer casos de melhores práticas.

No universo de GMI, os investidores utilizam estes critérios como principais para a seleção de métricas, em ordem de importância: confiabilidade, utilidade, estandardização, viabilidade, comparabilidade e precisão**. Estas métricas de impacto são selecionadas pelos próprios investidores (91%), mas também contam com alguma participação dos investees (31%)[4].A principal base para esta definição de métricas é a evidência relacionada à estratégia ou à teoria de mudança do investidor (72%), além da seleção de métricas amplamente aceitas (60%).

A maioria dos investidores utiliza mais de uma ferramenta ou um sistema em suas práticas de GMI. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são os mais mencionados (72%), sendo que a adoção desta referência quase dobrou da primeira para a segunda edição do estudo. O Catálogo de Métricas do IRIS aparece como o segundo mais utilizado (48%), o IRIS + em terceiro (38%) e as cinco dimensões do Impact Measurement Project alcançam ser referência para 33% dos investidores.

As dimensões de impacto avaliadas concentram-se claramente em outputs (91%), resultados (outcomes) que estão no radar de 78% dos investidores. 72% buscam conhecer “quem experimentou os efeitos”, enquanto que 68% tem preocupação com escala ao investigar o quanto do efeito ocorreu em termos de abrangência. Por sua vez, 43% têm foco em profundidade ou significância do efeito.

Os dados são coletados em geral por trimestre (49%), mas têm predominância de serem reportados anualmente (51%). Os dados de GMI são utilizados em todos os estágios do processo de investimento, desde a due-diligence (81%) até uma interessante parcela presente no momento de saída (36%). A relevância de reportar impacto no momento de saída é defendida pelo GIIN e pode ser conhecida em outro relevante estudo realizado – “Lasting Impact: The Need for Responsible Exits“.

Os usos dos dados concentram-se em comunicação para stakeholders (89%), conhecer a performance impacto (87%), refinar métricas (69%) e revisar expectativas de impacto (65%). Ao mesmo tempo, os dados contribuem para identificar oportunidades para oferta de assistências técnicas e construção de capacidades (53%), refinar produtos e serviços dos investes (52%) e fortalecer estratégias de mercado (46%).

Interessante observar como a GMI ganha expressão na estrutura orçamentária dos investidores. Na média, os respondentes afirmam investir 12% de seu orçamento nestas práticas, ainda que este seja um número reconhecidamente difícil de precisar em função de ser mesclada a outras atividades dos gestores.

No estímulo para que as equipes alcancem impacto, os investidores afirmam que seus times já são intrinsicamente motivados pelo próprio impacto (76%). Porém, a entrega de impacto faz parte da avaliação de colaboradores (21%). Há ainda a relação entre bônus e alcance de impacto para parte do staff (para 10% dos investidores) e a relação com bônus para todo o staff (para 7% dos respondentes). Mas é relevante observar que 43% dos investidores não têm incentivo específico para a equipe alcançar impacto.

Na relação com investes, observa-se que a motivação intrínseca com impacto é de 51% dos times, valor menor do que o apontado por investidores, o que me parece surpreendente. Para estimular o foco em impacto, os investidores indicam que o avanço deve estar em curso para que recebam o fluxo de capital (24%), mas uma amostra representativa de investidores (37%) não tem incentivos para os investes relacionados ao alcance de impactos.

Este conjunto de dados levantados pelo GIIN indica que o universo dos investimentos de impacto avança na estruturação de soluções de GMI, como a adoção de ferramentas e frameworks, a definição de responsabilidades no time para este papel, o uso de dados na tomada de decisões ou a alocação de recursos que ganham tamanhos relevantes no orçamento organizacional. Ao mesmo tempo que permanecem desafios sobre como construir maior consenso ao redor de métricas, investidores afirmam não ter dispositivos específicos para estimular a equipe interna ou os investees a alcançar impacto, aspecto que pode restringir alavancagem da uma cultura exponencialmente comprometida com impactos sociais + ambientais entre os times.

isso é determinante para a consolidação de uma nova era de investimentos na qual o planeta e os que nele vivem importam tanto ou mais do que o retorno financeiro.

* O termo original, em inglês, é report. Aqui, ele foi traduzido como comunicação.

** Interessante observar que estes critérios têm claro alinhamento com o standards de avaliação de programas formuladas pelo Joint Committe on Standards for Educational Evaluation, que guiam muitas das práticas avaliativas em vigor

*** Esta distribuição lembra categorias de definição de métricas propostas pelo D-Lab do MIT no instrutivo paper “The Metrics Café”.