Mensagem a investidores sociais na pandemia: o financiamento flexível como imperativo

por Daniel Brandão

Ainda é cedo para qualquer previsão sobre como as organizações da sociedade civil irão emergir após a crise do Covid19, sendo a incerteza a única possibilidade de afirmação plausível sobre o futuro. Tudo além são suposições hipotéticas sobre um mundo que ainda não conhecemos.

Mas o presente é claro. Para garantir saúde e proteção à população e organizações com capacidade de atendimento, o momento exige a radical adoção do financiamento flexível por parte de investidores sociais de impacto (fundações, institutos e empresas). Esta modalidade de financiamento permite o uso de recursos na rubrica que for mais necessária e urgente, independente do contrato inicial.

As prioridades mudaram, e seguem mudando. Os planos, sejam quinquenais, trienais ou anuais perderam sua relevância. Um trimestre parece uma imensidão de tempo. As respostas de organizações da sociedade civil, principalmente as que atuam diretamente com populações sem acesso a recursos e alijadas de direitos, são necessárias, urgentes e orientadas por necessidades imediatas e não mais por objetivos de projetos outrora firmados. Marcos lógicos ou teorias de mudança são bússolas que não se encaixam no novo terreno esquadrinhado pelo novo coronavírus. Pondere suspendê-los por algumas semanas.

Assim, organizações da sociedade civil podem reorganizar com segurança atividades para atender demandas de saúde, econômicas e pela defesa da dignidade, seja adequando o que já fazem ou assumindo ações distintas de sua tradição, mas que se tornam imperativas no atual momento[1].

Indiscutivelmente, investidores privados devem apoiar estes movimentos mantendo os fluxos de recursos financeiros acordados, até mesmo elevando valores conforme a necessidade, flexibilizando a expectativa de alcance dos resultados inicialmente acordados e facilitando a burocracia para a adoção diligente destas mudanças. Os fundos precisam se tornar flexíveis, sendo este um imperativo ético da relação financiador – OSC porque vai defender a vida, a base material da ética[2].

Este chamado é claro e ocorre em esfera global, sendo sugerido no memorando em construção “Opportunities for Philanthropic Response to the Coronavirus (COVID-19) Crisis” articulado pelo Bridgespan Group[3].

O futuro é ainda turvo, mas será pavimentado pelas nossas atitudes neste momento agudo.  As relações estabelecidas com parceiros e o apoio aos trabalhos de enfrentamento à pandemia irão moldar a face das relações no terceiro setor. Flexibilizar fundos é um ato imediato, com resultados tangíveis mensurados por vidas preservadas e longínquos consolidados em organizações fortes.

Objetivamente, para viabilizar esta flexibilização sugere-se (i) diálogos com parceiros para entender suas necessidades imediatas e usos possíveis recursos; (ii) breve registro deste novo acordo; (iii) acompanhamento das progressão das atividades ao longo dos próximos meses para então (iv) revisitar projetos originais e redesenhá-los ante o novo cenário que irá se impor.

Que tenhamos sabedoria para atravessar esta etapa da história.


[1] Ver o conceito de Pop-up e Pop-out propostos por Bildner, J.  no artigo “Radically Adapting to the New World” recentemente publicado na Stanford Innovation Review (abril, 2020)

[2] Dussel, E. Ética da Libertação na idade da globalização e da exclusão. Ed Vozes, 2002.

[3] https://www.bridgespan.org/insights/library/philanthropy/memo-opportunities-philanthropy-covid-coronavirus