A emergência das Organizações da Sociedade Civil: a crise da Covid e o aumento da mortalidade

Um patrimônio acumulado pelo Brasil desde os anos 1990 está ameaçado: as organizações da sociedade civil, que já vinham de uma década de dificuldades, com mortalidade crescente, estão agora sofrendo forte impacto em sua subsistência com o advento da Covid.

Entender como as Organizações da Sociedade Civil enfrentam o atual momento de pandemia, como estarão após a crise e as recomendações de especialistas para o futuro, foram os objetivos da pesquisa impacto da covid-19 nas OSCs brasileiras: da resposta imediata à resiliência.

Foram ouvidos 1.760 representantes de organizações de todas as regiões do país, que responderam a um formulário, entre 17 e 31 maio de 2020, para uma análise do impacto imediato no primeiro semestre de 2020.

O levantamento demonstrou que 87% das OSCs ofereceram algum tipo de atendimento às populações afetadas pela covid-19. Entre as ações destacam-se distribuição de alimentos e/ ou produtos de higiene, além da realização de atividades de prevenção e conscientização da pandemia.

Apesar dessa resposta imediata, a maioria foi afetada pela crise.De acordo com a pesquisa, 87% das OSCs relataram ter todas ou parte de suas atividades regulares interrompidas ou suspensas por conta da crise; 87% se mobilizaram para realizar atividades diferentes das realizadas antes, 44% das organizações ouvidas adaptaram suas atividades para atenderem seus públicos de forma remota e 73% das  disseram que a crise as enfraqueceu.

Parte das OSCs recebeu recursos doados por pessoas e empresa, doações que já passam de R$6 bilhões de acordo com o Monitor das Doações COVID-19, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR).

 “Esse apoio dado pelas organizações, movimento, coletivos e grupos, são fundamentais para conectar os recursos emergenciais às populações mais vulneráveis. Mas ao mesmo tempo, podem esconder uma crise de médio prazo que não se encerrará com o final da pandemia”, alerta Fernando Rossetti, da consultoria REOS Partner, um dos responsáveis pela pesquisa.

46% das OSCs pesquisadas apontam que têm orçamento disponível para operar no máximo por mais 3 meses, sendo que 1 a cada 5 declara estar sem nenhum recurso financeiro para continuar suas atividades.

As duas respostas mais relevantes dizem respeito ao apoio da sociedade para que as OSCs possam se manter — 69% precisam de recursos para manter seus custos operacionais, 46% indicam a necessidade de engajamento da sociedade (indivíduos) para apoiar as ações de ajuda à população vulnerável.

Os principais impactos negativos enfrentados são a queda na captação de recursos e o distanciamento do público atendido. 73% das OSCs respondentes relataram a diminuição da captação de recursos como impacto negativo da COVID-19, em contraste às notícias e registros de aumento dos recursos filantrópicos para enfrentamento dos efeitos da pandemia nas populações mais vulneráveis.

Os outros principais impactos negativos relatados foram o distanciamento e dificuldade de comunicação com o público atendido (55%), a diminuição de voluntários ativos (44%) e o estresse ou sobrecarga da equipe (40%).

Tamanho e área de atuação influenciaram

No levantamento, as OSCs mais afetadas pela crise gerada pela pandemia foram as das áreas de Cultura e Recreação, ao contrário das que atuam na área de Saúde, que foram as mais fortalecidas.

O tamanho das organizações também demonstrou influenciar o impacto sofrido na crise. As organizações que tiveram maiores orçamentos em 2019 (orçamento anual acima de R$ 3 milhões) foram mais fortalecidas que as organizações de orçamento menor.

Como ficará o setor após a pandemia?

Essa é uma preocupação, especialmente considerando as necessidades que surgirão das populações vulneráveis e as inquietações sobre a capacidade de sobrevivência das OSCs.

Das organizações que participaram da pesquisa, 59% acreditam que a demanda por seus serviços deve aumentar após o final da pandemia. Outros sentimentos relatados foram o impacto positivo do maior uso das ferramentas digitais, o engajamento e envolvimento das equipes e a maior visibilidades para a própria organização ou causa.

O estudo revela, ao mesmo tempo, que a sociedade brasileira tem oportunidades importantes para fortalecer este setor, que tem se mostrado crucial para a resposta a vários dos problemas causados pela Covid, em particular envolvendo as pessoas mais pobres.

Internamente, as OSCs apontam necessidades relacionadas principalmente à capacidade de captação de recursos e planejamento — 60% das respondentes indicam como principal necessidade incrementar a capacidade de captação de recursos no ambiente digital/remoto e 58% indicam a necessidade de um plano financeiro e de captação de recursos factível. Também se destacam a necessidade de revisar planos estratégicos (apontada por 42% das organizações) e a necessidade de trabalhar em colaboração com outras organizações (apontada por 39%), indicando para o potencial reconhecido de atuação em rede.

Recomendações

A pesquisa também traçou um quadro de recomendações para empresas, terceiro setor, poder público, cidadãos e para a imprensa.

“Nós vemos no momento atual um desafio, mas também uma janela de oportunidades para todos os públicos envolvidos na nossa pesquisa, a partir de seu campo de atuação específico, contribuir para o fortalecimento e o impacto da sociedade civil organizada no Brasil”, afirma Rodrigo Alvarez, sócio diretor da Mobiliza.

SETOR PRIVADO: contemplar em suas estratégias o fortalecimento das Organizações da Sociedade Civil.

PODER PÚBLICO: desenvolver ações de apoio emergencial e fortalecimento das OSCs brasileiras

CIDADÃOS: doar mais e melhor, ampliar a cultura de doação.

IMPRENSA: disseminar informações de qualidade sobre as OSCs brasileiras

ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL: articular-se em rede, trocar experiências, desenvolver ações conjuntas.

Passada a etapa mais emergencial da ajuda humanitária, toda a sociedade é chamada a cumprir seu papel para que as OSCs possam seguir relevantes e resilientes, para que possam enfrentar os desafios sociais e ambientais decorrentes da pandemia e fortalecer o tecido social brasileiro.

Para Arthur da Hora, coordenador de operações e líder da parceria técnica do estudo pela Move, questões antigas tidas como dificuldades crônicas do setor, como o financiamento para manutenção de custos operacionais e de equipes são aprofundadas pela crise da pandemia e provocam urgência para novas práticas e políticas de financiamento. Não é mais uma questão de resiliência, mas de sustentabilidade do terceiro setor no Brasil. E o chamado para ação é geral, para todos e todas.

“Ao assumir a execução técnica da pesquisa e assinar o relatório junto às organizações parceiras do comitê estratégico do estudo, a Move reforça o compromisso com a agenda de fortalecimento do impacto da sociedade civil organizada no Brasil”, afirma Arthur.

Organizações envolvidas

O estudo foi coordenado pelas consultorias Mobiliza e Reos Partners e cofinanciado pela Fundação Tide Setúbal, Fundação Laudes, Instituto ACP, Instituto Humanize, Instituto Ibirapitanga, Instituto Sabin e Ambev.

A iniciativa conta ainda com parceria técnica da Move Social e um Comitê Estratégico voluntário, que apoia nas articulações do projeto e na análise dos dados, formado por ABCR, Arredondar, GIFE, Instituto Filantropia, Move Social, Nossa Causa, Ponte a Ponte, Prosas e Rede de Filantropia pela Justiça Social. Também vol Because faz a identidade visual e os materiais de comunicação.

Acesse o estudo aqui: https://cutt.ly/4d3uPum