Monitoramento e Gestão Adaptativa

 

Rogério Silva[1]

Enquanto as práticas de avaliação buscam formar juízos de valor a respeito do mérito e da relevância dos objetos avaliados, as práticas de monitoramento têm como papel central criar maior convergência possível entre três variáveis: o plano, a ação e a realidade.

Nascido do campo da administração científica e, posteriormente, das teorias sistêmicas de gestão, o monitoramento carrega alguns princípios básicos: (a) conformidade, a garantia de que o bem ou o serviço produzido estão de acordo a um padrão previamente estabelecido; (b) compromisso, a garantia de que os resultados pré-estabelecidos como metas serão alcançados; (c) visibilidade, a garantia de que todos os níveis da organização conhecerão o status de desenvolvimento das ações e (d) decisão, a garantia de que levar informação relevante e em tempo adequado para as instâncias de gestão produzirá decisões capazes de corrigir os processos e assegurar os resultados.

Ao longo do tempo, o conceito de monitoramento recebeu uma série de influências e foi relacionado a diversas práticas avaliativas. A figura 1 diferencia conceitos e esclarece o que se entende como monitoramento.

Figura 1. Tipos de avaliação e suas diferenças com monitoramento

De maneira mais específica, é comum que as práticas de monitoramento estejam associadas aos seguintes propósitos.

  • Acompanhar o status de desenvolvimento de uma ação.
  • Observar o curso de uma ação e sua capacidade de atingir metas.
  • Usar indicadores para mostrar quão assertivo e efetivo está o curso da ação.
  • Demonstrar em que medida um plano tem sido bem implementado.
  • Produzir informações que apoiem equipes gestoras a fazer ajustes, correções e mudanças nos processos e estratégias.

 

Gestão adaptativa

Se as práticas de monitoramento originam-se de concepções que viam as organizações como sistemas hierárquicos, fechados e sob controle absoluto, conceitos organizacionais mais recentes exigiram monitoramentos voltados a organizações mais abertas e atuando em cenários complexos e de baixa governabilidade. A disposição em produzir gestões responsivas à realidade social e flexíveis em suas estratégias criou organizações também mais atentas à realidade, mais velozes em sua capacidade de responder aos estímulos e mais dispostas a lançar mão de mecanismos de feedback para ajustar seus percursos. O conceito de gestão adaptativa emergiu nesta cena.

Podemos definir gestão adaptativa de três formas: (a) como mecanismos de gestão usados em crises humanitárias e em territórios de profunda instabilidade sociopolítica[2], nos quais é difícil elaborar planos de longo prazo e onde se requer decisões rápidas a mudanças abruptas da realidade; (b) como mecanismos de gestão socioambiental[3], como os necessários à remoção ou controle de populações animais, ao manejo extrativista de florestas ou ao controle de qualidade de águas, o que exigirá ajustes permanentes das estratégias em função das respostas do meio ambiente às ações; (c) como mecanismos de feedback na gestão de programas sociais[4], com forte apelo ao uso de evidências surgidas de sistemas de monitoramento ou grandes bases de dados. Algumas premissas básicas estão presentes nos três casos.

  • A gestão adaptativa admite abertamente que há incertezas a respeito de como a realidade se comporta e a respeito de como a realidade responderá às ações de uma organização.
  • A gestão adaptativa dedica-se a compreender como a realidade funciona, a fim de ajustar, ao longo do tempo, os objetivos das ações e as estratégias utilizadas para assegurar resultados.
  • A gestão adaptativa requer atenção aos efeitos das ações a fim de ajustar as estratégias e a projeção de resultados.
  • A gestão adaptativa requer a participação dos stakeholders, fontes privilegiadas e prioritárias de feedback para a organização.
  • A gestão adaptativa é um modelo de gestão baseado em aprendizagem.

Como prática que relaciona ação-aprendizagem-ação e requer organizações inteligentes, atentas e dispostas a ajustar estratégias de forma permanente, a gestão adaptativa tem nas práticas de monitoramento seu principal alicerce. A seguir procuramos ilustrar algumas das condições necessárias à construção de bons sistemas de monitoramento: (a) a importância de bons sistemas de informação organizacional; (b) a centralidade de boas matrizes de resultados e indicadores; (c) a relevância de ajustar fluxo de produção e uso de informações para aprendizagem e tomada de decisão.

 

Sistemas de Informação

Os sistemas de informação são dispositivos criados para assegurar que uma organização registre uma série de informações consideradas cruciais para a sua sobrevivência. O registro e o armazenamento de informações serão a base para a construção de conhecimento e inteligência organizacional, que poderá favorecer práticas de monitoramento e avaliação, enriquecer planejamentos e reduzir o curso de pesquisas e avaliação. A natureza das informações a serem registradas varia para cada organização, mas essencialmente se relacionam a três categorias como mostra a figura 2: (a) público-alvo; (b) atividades; (c) resultados.

Todo sistema de informação cumpre dois propósitos essenciais. O primeiro diz respeito à função do registro, que quer assegurar que a prática organizacional, incluindo seus recursos, públicos, entregas e efeitos sejam registradas e arquivadas. As práticas de registro exigirão padrões e rigor para que as informações sejam armazenadas de forma confiável, inteligível e favorável a sua futura utilização. O registro é a porta de entrada de um sistema de informações.

O segundo propósito de um sistema de informação diz respeito à função de utilização, diretamente relacionada à análise, produção de informes e uso das informações para fins de monitoramento, aprendizagem e decisão. Se o registro é a porta de entrada de todo sistema, a utilização é sua porta de saída, esperando-se a maior sinergia possível entre os dois propósitos.

 Figura 2. Categorias essenciais a um sistema de informação.

 

 

Na figura 2, percebe-se que outras categorias que representem aspectos relevantes para uma organização podem ser adicionadas: fornecedores, apoiadores, colaboradores, finanças e contratos são apenas alguns exemplos das direções que um sistema pode adotar. Vejamos algumas dicas sobre sistemas de informação.

  • Defina quais tipos de informação são necessárias antes de comprar ou desenvolver soluções tecnológicas. Sistemas inteligentes começam com conversas inteligentes.
  • Registre informações sobre o público-alvo, cruciais para monitoramento e avaliação. Por exemplo: quem são as pessoas com as quais a organização trabalha? Quais as suas características sócio-demográficas? Quais os seus endereços e outras formas de contato?
  • Registre informações sobre as atividades realizadas, importantes para avaliações de processo e para análises de custo, já que podem evidenciar os níveis de exposição do público-alvo às ações. Alguns exemplos seriam: quais atividades a organização oferece? Quais atividades alcançam o público-alvo? Com que frequência? Com que carga horária? Em que momentos do tempo? Em que locais?
  • Assegure a coleta de informações sobre resultados, o que pode favorecer e baratear as avaliações. Se há mudanças esperadas no público-alvo, sobretudo as de curto prazo e sob maior governabilidade de sua iniciativa, construa sistemas que capturem tais resultados.
  • Defina um conjunto de informações que possam servir de linha-de-base, de importância capital para muitas avaliações de resultados. Se há, por exemplo, variáveis relacionadas aos resultados esperados, tais como renda, incidência de doenças, escolaridade, etc., capture-as, tendo em vista que ela irão oferecer base de comparação entre grupos e ao longo do tempo, para o público-alvo de uma iniciativa.

 

Matrizes de resultados e indicadores

Bons processos de monitoramento exigem que as organizações possuam resultados claros e capazes de delimitar o processo de observação. Quanto mais clareza houver a respeito do que precisa ser alcançado, mais fácil será eleger indicadores, definir a periodicidade de coleta de dados e articular produção de informação, análise, aprendizagem e decisão. A figura 3 ilustra uma cadeia de resultados e seus respectivos indicadores.

Figura 3. Matriz de resultados e indicadores.

 

Na figura 3, as ações de monitoramento estariam concentradas em diferentes indicadores ao longo da cadeia de resultados, do nível básico (seminários para 100% dos professores) ao segundo nível de resultados (alunos utilizam jogos). O uso de monitoramento na perspectiva adaptativa faria com que o nível de alcance do indicador do nível mais básico definisse mudanças nas estratégias, revisão de calendário ou mesmo mudança nas expectativas de resultados nos resultados de nível 1 e mesmo de nível 2.

Outras matrizes, inclusive as que enfocam mais diretamente resultados diretos no público-alvo, em níveis mais complexos, podem também ser desenhadas e orientar a coleta de informações. Na figura 3, indicadores que demonstrassem melhoria de desempenho em matemática, por exemplo, poderiam indicar resultados na aprendizagem das e dos estudantes.

 

Aprendizagem e decisão

Tornar úteis as informações produzidas em um processo de monitoramento exige compromisso, atenção e criatividade. Ao menos três aspectos são capazes de tornar um monitoramento relevante: (1) o momento no qual as informações são comunicadas; (2) o uso de formas criativas de comunicação, que capturem a atenção dos atores; (3) o balanço entre apreciação e crítica, importante para produzir legitimidade.

Os processos de monitoramento nunca devem ser encarados como vias de mão única, mas sim como fluxos com troca de mensagens, leituras e análises, que ajudem a organização a aprender e tomar decisões. Para planejar boas reuniões de análise:

  • Garanta que os principais atores interessados no monitoramento e que de fato podem tomar decisões com ele estejam presentes.
  • Cuide do processo de trabalho fazendo bons acordos de diálogo. Os monitoramentos abordam temas sensíveis, então é preciso atenção para não transformar reuniões em um campo de batalha.
  • Assegure que diferentes vozes sejam ouvidas na análise, moderando a conversa e assegurando que ela seja plural e criativa.
  • Traga informações-chave com algum grau de análise, mas não deixe de fazer perguntas que ajudem o grupo a aprofundar saberes.
  • Conecte a reunião com o futuro e não com o passado. Aprender com o que foi realizado só é crucial se tais aprendizagens levarem ao futuro.

Boas reuniões são, portanto, decisivas para transformar informações em saberes e decisões, podendo ser determinantes para ampliar o compromisso de uma equipe em enxergar seus acertos e erros, talentos e limites, fazendo os ajustes necessários para assegurar ações efetivas e de qualidade.

[1] Sócio-fundador e diretor de pesquisa da Move Social até agosto/2017

[2] Adaptive management in practice: lessons from de field. Mercy Corps. 2016. Disponível em www.mercycorps.com

[3] What is adaptive management? Learning Lab. USAID. s.d. Disponível em www.doi.gov

[4] Green, Duncan. Adaptive management looks like it`s here to stay. Here is what that matters. Oxfam Blog. Disponível em https://goo.gl/9KXzqX